domingo, novembro 18, 2007

Habitués

Uma das coisas que sempre me instigaram foi o conflito entre a loucura e a razão. Entre viver no limiar entre estes dois pólos, o vazio, o caos da loucura e a estabilidade da razão. Sempre quis escrever sobre isto. E ainda vou fazê-lo. Enquanto isso, confiram a ótima peça, que na minha visão, trata exatamente disto, de forma muito foda.

www.alexandrefranca.blogspot.com

A peça foi escrita por Alexandre França, e é do caralho. Tem cinco cenas (e não espiem o final, porque ele reserva uma surpresa!).

Fica a dica

FMAN

quinta-feira, outubro 11, 2007

A quem interessar possa ou o culto ao meu egocentrismo

Oh, Deus, deuses. Finalmente me acertei com o divino. Estou numa boa forma (não ainda na melhor - a melhor sempre é aquela que ainda não alcancei) e escrevendo uma coisa maravilhosa. Finalmente me desprendi de velhos recalques, velhos grilhões. Desvencilhei-me de muitos dogmas que alguns pretensiosamente me "ensinaram", enquanto, na verdade, estavam dando o "pulo do gato" para travar minha literatura. Dogmas que não fazem o menor sentido, na verdade. Ou antes, fazem, pois foi preciso penar sobre críticas alheias e até acreditar em várias opiniões agora duvidosas, para que eu descobrisse que a melhor maneira de eu escrever era a maneira pela qual sempre escrevi. E é engraçado isto, porque, no final das contas, foi um fortalecimento de minhas convicções, do único e verdadeiro dogma que realmente importa: acredite em você mesmo. Sempre. Voltei ao que eu era antes, mas muito mais blindado, muito mais acurado, certeiro; minha linguagem, de certa forma, refinou-se através dois cuidados que aprendi a ter. Neste sentido, todas as críticas acabaram sendo construtivas. Agora sinto-me destravado, livre, fluído, dono de toda minha obra e escrever voltou a ser a paixão, o êxtase. Existe algo poderosíssimo na arte de criar: é como, pretensiosamente, querer se aproximar de Deus (se pensarmos que exista um), na falta de algo melhor para definir a satisfação plena de vibrar junto com sua criação, de acompanhar nos mínimos detalhes vidas que nunca existiram, mas que ganham contornos reais graças aos traços que você próprio pincela. É uma das melhores sensações do mundo. Arte é minha vida. Ler, escrever, o amor e sexo são as melhores coisas da minha vida. Como já diria um homem muito importante para mim: "Tira-se tudo de um homem, mas sua arte permanece". Durante algum tempo, tiraram de mim minha arte. Eu pensava isto. Mas finalmente descobri que não. Ela apenas recuou amedontrada perante tanta guerra contra ela. A máxima, portanto, é verdadeira. Obrigado, pai. Por me dizer uma das maiores verdades que você poderia me legar. No fundo, foi ela que me salvou.

Outra reflexão importante é: e daí? para quem importa saber isto? Não sou eu um anônimo, um escritor de um blog dentre milhares? E ainda, pouco conhecido? Quem gostaria de saber sobre minha vida? É uma coisa interessante esta. Milhares de pessoas postam detalhes de sua vida, "hoje eu encontrei ciclano, tomamos sorvete, uma punhetinha e um banho morno, até logo adeus, dormi escutando 'across the universe', eu tenho dois gatos, eu gosto de fazer as unhas com determinadas estrelinhas coladas". Porra, que diabo que quero saber disso?? A quem isso interessa. Partindo desta mesma premissa, é que eu escrevi este post. Há quem interessa esta porra de evolução da minha escrita?
- Bom, porque escreveu então, babaca? - diz um eventual leitor.
Fica a pergunta, caro possível leitor.

quinta-feira, julho 19, 2007

A malandra, visceral e genial poesia de Jorge Barbosa Filho

Bom, como deve ser, mencionei Jorge no meu texto abaixo, mas fiquei devendo a apreciação do que é sua poesia. Pois bem, corrijo a falta aqui e publico um de seus mais recentes poemas, seguido de algumas apreciações sobre sua poesia.
meu anjo da guarda
me pegou cagando
para Vanderlei Weschenfelder, a escultura

meu flato fanho assobia
uma melodia gasosa
com suas flores amorfas.
e em sua epifania
(nem de ontem ou agora),
a gula viva de outrora
anuncia minha intestina
agonia infinita.

véspera de hecatombes
onde, entre os homens,
borbulho o que sinto
e invejoso me vingo
de seus horizontes.
o ar de suas alegrias, definho
sem jeito, como ou aonde,
solto mil bois divinos.

infesto a eternidade
com odor duvidoso
de tênue bondade,
mas cobiço as beldades
e os tesouros dos outros.
quando pensam que dôo
a lei da gravidade,
flutuo, explodo,

espalho meus vícios
por todos os poros
e se a alma expio,
relaxo com reforços.
se existe o difícil
(é disto que eu gosto),
desloco o impossível
por isto me borro.

a comédia divina
percorre minhas vísceras
em onírica soberba.
como reza a bíblia,
sem eira e nem beira,
da cósmica poeira chega
e fina o que se destina,
a merda em suas bigas

no cu do mundo,
na casa do orvalho,
o jardim das delícias, fundo
e afundo no ato falho,
alhos com bugalhos.
meu desejo confundo
ao todo confuso,
lúbrico no sanitário

esqueço onde estava
e pelo espaço errando,
caíram minhas máscaras
no vaso urrando
só, na ira, não podia nada,
isto foi quando
meu anjo da guardame pegou cagando.
Três apreciações sobre a obra de Jorge Barbosa Filho
1) nada fácio prefácio
...nem limão, nem lisérgico: ácido! Jorge Barbosa Filho arranha com palavras de aço nervos de prata. Lustra ouro esfregando-o bruto no couro e tirando couro da hipocrisia e da covardia da manipulada mídia. Sua poesia não fantasia azia: aziaga quem tem sorte comprada, esfregando na cara a vergonha vazia da burguesia. Qual adaga afiada, fia na carne seu filete de sangue: sangra Capta e rapta os valores do mundo, indo fundo e fundando um fogão para cozinhar diamantes e pérolas. Com esse poeta, toda palavra é pouca, fica rouca e esvai-se à poesia muito louca.
tavinho paes
2) A poesia de Transcendência zero é direta feita um não. E o monossílabo vem, assim, na cara. Mas é um não que tem ginga, malandragem, rodagem... E isso diferencia essa poesia daquela que costumo dizer por aí que já me encheu o saco (aquela dos falsos marginais que... bom... deixa pra lá... fica pra outra, pois aqui não há espaço e fecho logo esse parêntese). Sei me contemporizar com a malandragem de um poeta. Identifico (pelo vorticismo poundiano da imagem refletida no acoplamento de espelhos), indícios de pelo menos dois tipos de malandragem poética. Primeiro: Glauco Mattoso. A ausência da forma (ou “fôrma”, como o próprio Glauco me disse certa vez em São Paulo, recém-cego e com a cara lambuzada de maionese vinda de um lanche “beirute”), o que não é necessariamente um problema, considerando que muitos poetas simplesmente caem do cavalo ao tentarem domar a poesia pela técnica como se o bicho fosse domesticável, e, deste modo, aqui, passa a interessar que o verso igualmente desboca, abre as pregas e expõe as firulas da literatura, do status quo, da vida e escancara o que, particularmente, mais me agrada: o quanto a poesia não é literatura. Bufem à vontade, nobres leitores, mas poesia não é literatura.
Aliás, é o que liga a malandragem da poesia do Jorge Barbosa à malandragem do outro malandro, o segundo: Aldir Blanc. A faísca deste gênio da poesia cantável feita de becos & bares & bebedeiras, o autor soube traficá-la para os seus poemas sem perder a devida originalidade. Justamente porque o autor esbanja vadiação. O samba do subúrbio, que rodeia a bela Rio de Janeiro e respira nas entranhas da música brasileira está neste livro que está nas suas mãos, caro leitor. Aproveite bem essa poesia, entra com tudo neste livro e só saia dele cantarolando. Dou até a dica. Que tal o talvez melhor poema-samba do livro: “Que diabo é esse?” Uma palhinha: “um poema com o diabo no corpo / fuma as encruzilhadas, / entre a escrita e a fala / acende versos negros / e reza ciladas.” Demais, não? Um brinde ao Jorge, o último marginal!
Ricardo Corona
3) Carta de Jaques Brand a Jorge B.F
Tive a ocasião de conhecer os "Buquês de Alfafa"(Leprevost e França mos deram um exemplar, avaramentedisputado a tapas) e fiquei pasmo com a altíssima tensão e ironia poéticas de praticamente todos os poemas. Cara, Vc é um artista de primeira grandeza!Aliás reencontrei um poema que já havia visto num jornal da faculdade há anos, na companhia de um do Koproski, e já na época havia admirado extensa eintensamente, aquele da mijada, da lua tola lia minha distante caligrafia. Mas mão o associava à sua assinatura. Um dos efeitos da leitura dos "Buquês" foi aumentar o meu sentimento de culpa por não tê-lo recebido de braços abertos, digamos assim, por ocasião dos trabalhos do Jornal da Biblioteca. Meu único álibi é que eu não sabia que Vc era um poeta assim porreta!Parabéns, se é que a grande poesia merece conhece esse tipo de reconhecimento. Puta que o pariu, o Jorge Barbosa é um Poeta maiúsculo,superlativo.
Abração de Ano Novo e de todo o tempo, com os melhores votos e a admiração do Jaques Brand
Portanto, leitores do blog, quem tiver oportunidade, procure se informar sobre o Poeta!

segunda-feira, julho 02, 2007

Elogio ao Ódio

Isto não é um poema. Tampouco uma prosa, ou qualquer merda literária-artística ou com pretensões vagas de escritor como existem aos milhares por aí, pensando que escrever bem é ser pernóstico, lidar bem com a linguagem (e não dizer nada) ou dizer mal e porcamente qualquer coisa disfarçada pela máscara do "bem-escrito-dito" que cheira mais à fedor acadêmico (no mal sentido - existem fedores que ao menos incomodam positivamente), aquele fedorzinho que vc sente de pessoas que escrevem para si mesmas, na base de contemplarem suas próprias virtuoses e gozarem pasmos com o resultado). Isto tampouco é um manifesto anti-escritores-panelinha ou pseudo-escritores-exibidos, como ah droga, tenho de denunciar aqui, existem aos milhares por aí (mais uma vez, aos milhares!). E nesta merda de província, uns chupando o pau dos outros enquanto outros, ditos "I´m a lonely guy", bebendo e reclamando da vida pelos bares, vivendo papéis medíocres que não cabem dentro de si mesmos, porque são meros PAPÉIS e não personalidades, achando que tem alguma coisa de maldito, de outsider, de revolucionário, de principesco, e depois de todo discurso inflamado e dos atos estúpidos e sem sentido, dos quais não se poupam ninguém que esteja ao lado porque o egoísmo (humano e cultural) é tanto, voltam para suas casas protegidos, bem alimentados, com cama, papai, mamãe, um antro fantástico para a masturbação ganhar força novamente. Nada contra. Nada mesmo. Este não é um texto contra. Um escritor não deve ser necessariamente um sofredor ou chupador de poeira de meio-fio. Mas hipócrita, nunca. Falso, nunca. Se sim, que escrevam maravilhosamente bem, porque, não queria admitir, o talento sobrepôe várias merdas que existem. O problema, portanto, é o volume de MENTIRA na literatura que existe por aqui. Falta força, falta autenticidade, falta carne, vísceras e talento. Eu não queria, novamente admitir, mas é necessário entrar no clichê: não existe qualidade na literatura neste mundo atual, nesta província atual, salvo raras e preciosas exceções (e aqui não vou citar o nome de Jorge Barbosa Filho, que deveria ser considerado um dos maiores poetas brasileiros dos últimos tempos justamente por dar fôlego ao que já estava afogado, nome que deveria estar no país inteiro, pela força, individualidade e, sem exagero, reinventar a poesia brasileira - não cito porque não quero ser como os outros citando os amiguinhos sempre GENIAIS e M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O-S). Bem, e se alguém ler isto daqui e a carapuça servir (isto SE lerem, não faço nem idéia da popularidade desta joça, mas alguns parcos leitores devem haver), lá virão, por escrito ou por aí, aqueles comentários já conhecidos: "quem é este cara?", "quem ele pensa que é?" "ele deve se achar o maior escritor...mas puta merda, que merdas de contos ele escreve...e as poesias? Putz, lixo e lixo", "Ele diz que a gente faz, mas ele acabou de fazer ao elogiar um amigo e ainda ao fazer todo este protestozinho clichè de gente mal-amada". É, vocês têm razão. Mas, como eu já havia dito, isto aqui não é um poema, prosa nem anti nada. É um elogio ao ódio. Ao meu ódio. E com ele vivo bem, obrigado, enquanto tudo continua na mesma, aí, no mundinho de vocês.

P.S - Ah, e eu realmente escrevo bem sim, amiguinhos!

sábado, junho 16, 2007

O Condomínio (conto inscrito no concurso de contos UFPR - e que não ganhou porra nenhuma)

Depois de 9 anos e meio exercendo o cargo, a síndica anunciou que estava se retirando, para sua própria surpresa e alívio. O anúncio fora feito primeiro ao filho que se mostrou satisfeito e orgulhoso, apesar de já saber que a decisão viria mais cedo ou mais tarde: ele era um dos grandes influenciadores da empreitada.
Já não haviam condições de agüentar as querelas. A síndica, mulher de índole essencialmente boa, agüentava os piores abusos: moradores que tocavam seu interfone para pedir-lhe que abrisse o portão, carteiros (sempre à hora do almoço) querendo entregar uma encomenda e para isso precisavam de sua assinatura, pois os destinatários não estavam em casa no momento, afora pequenas coisas que sempre se acumulam no dia-a-dia, como encanadores, problemas com o portão da garagem, informações de onde moravam quem ou o que, receber faturas das empresas, acompanhar leitores de relógio de luz, etc... As tarefas cotidianas dentro de casa começaram a se tornar desleixadas. As roupas se amontoavam na área de serviço; o pó formava grossas camadas nos móveis e eletrodomésticos; o carpê encardia-se; a casa pouco a pouco assumia feições de um verdadeiro cortiço. O filho lhe dizia:
- Assim não dá mãe! Eu estou sem roupa pra sair! Você fica aí se matando por este condomínio e eu fico aqui, largado às baratas!
- É uma despesa a menos. Não temos de pagar o condomínio todo mês, e você sabe como a economia é importante na nossa situação.
Ao longo dos anos, talvez pela piora da situação das coisas ou mesmo por seu amadurecimento, o rapaz adotou uma postura mais compreensiva e amável. Ouvia a mãe relatando sobre os casos enfrentados a cada dia e crispava os lábios, com raiva e solidariedade.
A síndica era viúva. O marido se fora, mas ficaram as dívidas; tendo que se virar para criar o filho sozinha, recebia apenas uma parca pensão. Até que o filho chegou com boas novas:
- Mãe! Já chega! Você nunca mais terá de agüentar desaforos de ninguém. Consegui um bom emprego e posso ajudar a sustentar a casa.
A mãe ficara agitada, impaciente e notoriamente feliz com a notícia. Disse que iria preparar tudo, avisar confidencialmente alguns vizinhos que lhe eram mais amáveis, marcar uma reunião e anunciar a decisão.
Os condôminos receberam a notícia secamente. Havia no salão de festas, local da reunião, qualquer sentimento parecido com a mais pura indiferença. Limitaram-se a criticar as opções que a síndica havia feito no relativo aos outros assuntos que estavam em pauta: quanto à reforma da cisterna, a síndica apresentou três orçamentos como manda o regulamento; 1.º Dourados Cia – avaliado em R$ 4.682,00 com limpeza da caixa d`água incluída; 2.º Donatto & Mórbido Ltda, avaliado em R$ 3.945,00 e por fim 3.º Lavatoda, avaliada em R$ 1.999,00. A Sr.ª Pontes criticou as empresas procuradas pela senhora síndica, alegando que todas eram de preços exorbitantes e que tudo indicava haver uma precária capacidade administrativa no condomínio, ao que se seguiu comentários e posterior votação. Ficou decidido procurarem novas empresas, tarefa destinada aos conselheiros. Quanto ao problema do barulho do apartamento 25, os condôminos entraram em acordo em que a síndica estava sendo muito complacente com a situação da Sr.ª Galhardo e resolveram medidas extremas, como abertura de processo judicial, tendo em vista que o mesmo apartamento encontra-se em atraso com as despesas já faz um ano. Todos os reunidos exortaram os argumentos da senhora síndica, pequenos apontamentos que levantavam a situação financeira crítica da Sr.ª Galhardo e algumas perturbações mentais claras, mas que no fundo era uma ótima pessoa. Os condôminos resolveram que existia falta de profissionalismo no discurso da síndica e reiteraram o procedimento de aplicar a multa e entrar com ação judicial. Quanto ao problema da bagunça das crianças no playground que estavam gerando reclamações por parte do apartamento do Sr. Fagundes, a senhora síndica utilizou o artigo IV, parágrafo sexto do regulamento do condomínio para defender o posicionamento dos pais das crianças, reforçando que as mesmas tinham o direito de brincar com bola e skates e fazerem qualquer barulho até as dez horas da noite, mas que tal direito poderia ser posto em votação, uma vez que o assunto havia gerado discrepância. O assunto foi posto em votação e ficou decidido que as crianças poderiam brincar como antes, mas que os pais deveriam lhes incutir a responsabilidade de fazer menos barulho. Quanto a questão do apartamento 46, o proprietário e morador, Sr. Takawara censurou mais uma vez a senhora síndica por esta ter mandado uma circular a todo condomínio expondo que ele decidira não mais pagar o condomínio por causa do não recebimento dos balancetes. O Sr. Takawara argumentou que isto era uma falta de vergonha e escrúpulo por parte da senhora síndica, expondo desta maneira sua pessoa. Levantou também a questão de seu carro estar aparecendo riscado várias vezes e que entraria com um processo judicial contra o condomínio, já que a senhora síndica não se posicionou a respeito ou tomou qualquer medida cabível. Sem mais o que discutir, a senhora síndica deu por encerrada a reunião.
Nas semanas seguintes, havia se tornado outra pessoa. Sorridente, mais bonita e arrumada, fazia as tarefas domésticas pela manhã e a tarde assistia novelas ou lia livros. O apartamento voltou novamente a ter uma ordem impecável e o filho tinha sempre as roupas em ordem. Finalmente começara a ter uma vida: depois das traições e dívidas do marido, após os abusos de tantos e tantos anos sofridos sob a égide da falta de dinheiro, podia enfim retomar o curso de sua vida. Radiante, começou a estudar novamente, saía a noite, empolgou-se com artesanato e até um princípio de sentimento vago começou a se configurar dentro de sua alma eternamente ingênua. A síndica sentia aquele foguinho, uma esperançazinha de arrumar um namorado.
O filho, vendo sua mãe feliz e falante, sentiu-se satisfeito. Porém, logo que a transformação se realizara por completo, ele começou a perceber um desconforto que ia crescendo pouco a pouco.
Certo dia, durante a novela, o interfone tocou. Era a Sr.ª Galhardo.
- Olá! Tudo bem? Como está o artesanato? Ah, muito bem, muito bem...você não poderia abrir o portão pra mim? Eu perdi a minha chave e...oh, muito obrigado!
A síndica resmungou qualquer coisa e voltou ao sofá.
Dias mais tarde, seu interfone começou a tocar com certa freqüência. A Sr.ª Galhardo sempre precisava entrar, o correio nunca encontrava os conselheiros e era indicado a tocar neste apartamento, o leitor de luz também enfrentava o mesmo problema...
Estas inconveniências aborreciam a síndica, mas mesmo assim ela não deixava de satisfazer os pedidos. Pensou ser uma coisa normal, talvez força do hábito ou mesmo uma coincidência banal. Foi com certo embaraço então que se surpreendeu quando a campainha de seu apartamento tocou e, ao abrir a porta, revelou o Sr. Fagundes. Ostentava um certo sorriso misterioso no rosto e ficou ali parado por uns instantes, apenas fitando-a.
- Posso ajudá-lo Otávio?
- Na realidade pode sim...- falou por meio dos dentes, o sorriso estático ainda na cara. – Bem, o portão da garagem enguiçou e como a senhora sabe, sempre pode ser um problema da engrenagem e enfim, eu pensei que a senhora poderia dar uma olhada nela.
- Mas Otávio, eu não sou mais síndica!
- Ora...o que custa? Você sabe mexer naquelas engrenagens melhor do que ninguém! É rapidinho, eu tenho que entrar, a senhora sabe, trabalho muito em casa!
A síndica olhou-o com a boca retorcida por uns segundos, mas logo aquiesceu.
As pequenas interrupções em seu dia-a-dia foram se tornando comuns. Cada vez mais os moradores vinham a sua porta pedir-lhe que arrumasse algo, que entregasse certos recados e diversas outras tarefas. A síndica, no princípio, lembrava-os do abandono do seu cargo, mas ao longo do tempo parou de fazer qualquer objeção, uma vez que os moradores pareciam não ouvir qualquer palavra quando ela mencionava o assunto. Não demorou muito pra que um dia chegasse a sua porta o Sr. Takawara, com a expressão de ódio habitual.
- A senhora tem que dar um jeito! Riscaram meu carro novamente! Não posso compartilhar de tanta ignorância e incompetência! Isto é um absurdo!
A Sr.ª Pontes chegou subindo as escadas.
- Olá, Sr. Takawara...olá! Opa, mas é com a senhora mesmo que eu queria falar..eu estou com um problema e não estou gostando do modo como a senhora está lidando com...
- CHEGA! Olhem aqui! Vocês não entenderam ainda? Eu não sou mais a síndica deste condomínio! Não tenho a obrigação de fazer mais nada por aqui, entendem? Se riscaram a porcaria do seu carro, então vá falar com a administradora! É ela quem cuida das coisas aqui! Ou então falem com os conselheiros! Eu não tenho mais nada a ver com isto! Agora, se me permitem, eu tenho coisas mais produtivas a fazer! Passar bem!
Nenhum incidente ocorreu depois de sua explosão. Algum tempo se passou e nem o interfone tocava mais. Parecia que todos tinham entendido o recado. Prova disso era a forma como se comportavam quando encontravam-na pelo prédio: olhavam meio estupefatos, com os olhos arregalados e diziam um tímido “oi”, como uma obrigação. As coisas entraram nos eixos, pensou a síndica, satisfeita. Não se importava com o aparente afastamento dos vizinhos. Continuou a viver sua vida normalmente até o dia em que um comunicado veio lhe despertar não surpresa, mas uma mórbida curiosidade.
Haveria uma reunião extraordinária em tal dia e tal hora, para “assuntos gerais”. A presença de todos os condôminos era indispensável, pois coisas importantes seriam decididas. Não havia assinatura da administradora.
No dia do evento, a síndica achava-se tranqüila. A curiosidade que o comunicado lhe despertara era forte pra que ela comparecesse, mas não suficiente pra lhe perturbar o espírito. Chegou em casa às seis horas, depois de fazer compras. Achou estranho o fato do filho não estar por ali, a esta hora era praticamente religiosa a presença dele – já havia saído do trabalho. Deu de ombros e começou a arrumar-se para descer ao salão de festas.
Chegando lá, viu todas as luzes apagadas. Ora, o que será que aconteceu? Ninguém venho? Abriu a porta e adentrou pra checar. Logo que deu alguns passos, ouviu a porta fechar atrás de si. Uma vela foi acesa. Até a Sr.ª Galhardo estava lá. Pôde ver então vários rostos, rostos duros e pálidos, tão imóveis como bonecos de cera. Baixou a vista e notou que havia alguma coisa na mão de todos eles. Então, num longo momento, morador por morador, cada um deles, em fila indiana e sem nenhuma pressa, aproximou-se.
Não foi redigida ata.

quinta-feira, maio 03, 2007

Futum (primeira versão)

“Can't get the stink off
He's been hanging round for days
Comes like a comet
Suckered you but not your friends
One day he'll get to you
And teach you how to be a holy cow”
-Just, Radiohead-

“Alguma coisa fede por aqui”, pensou, e instintivamente virou a sola do sapato pra ver se havia pisado em alguma merda. O sapato estava gasto embaixo e até havia um local em que estava furado, exibindo a meia amarelada. Nem sempre fora assim, era um homem que zelava por suas vaidades, e entre estas, encontrava-se o bem-estar de sentir-se elegantemente vestido e bem arrumado, com todas suas peças corporais em ordem. No entanto, há muito esquecera desta característica de sua personalidade.
Olhou o sapato franzindo a testa. Nada. Cheirou então o sovaco, mas havia apenas o odor enfraquecido de seu desodorante habitual. Ao menos sua higiene conservava-se ainda motivo de preocupação, apesar dos cabelos desarrumados e das profundas olheiras. Mas e então? Em última hipótese, ergueu as pernas pro alto e afundou a cabeça lá pros lados do pinto. Era um instrumento morto, bem sabia ele, que não cantava sequer uma canção que alegrasse as mocinhas como o seu violão já fizera num luau qualquer numa praia qualquer durante sua juventude. Deu umas boas fungadas e nada percebendo, olhou em volta com uma expressão inquisitiva. O quarto estava revirado de cima a baixo, mas não havia nada que pudesse denunciar o fedor que sentia. Vasculhou tudo, foi até o banheiro, inspecionou a privada, o ralo, no entanto tudo estava em ordem, apesar da desordem desleixada do recinto. Tentou seguir o rastro do cheiro, mas era impossível; ele estava em todo lugar, como se o próprio ar desse origem à caatinga. “Deve vir de fora”, e então saiu do apê e seguiu pelo corredor em direção da escada. Mesma coisa. Nenhuma pista, nenhum apartamento aparentemente culpado. “Esqueça, que se dane”. Voltou, deitou no sofá e ligou a TV. As persianas fechadas cediam a luz dela uma dimensão assustadora, como um ator que diminui a intensidade de sua representação para focar a atenção da platéia em seu companheiro de palco. As paredes enlameavam-se com sombras sinistras, movendo-se desordenadamente.
Permaneceu ali por alguns minutos, zapeando os canais com desinteresse tentando esquecer o cheiro. Conseguiu alcançar certa sonolência, naquele grau em que nem bem se está dormindo nem acordado. Os pensamentos vinham-lhe e fugiam, manipulados suavemente com prazerosa indolência. Tudo o que poderia desejar, um sereno estado de espírito, depois de mais uma noite de inferno e caos. Mas súbito sua mente desconfigurou-se num emaranhado de caminhos sem sentido e tudo o que lhe preenchia era um tamanho desconforto que logo foi lhe despertando. Ainda de olhos fechados, sentiu o nariz arder e percebeu que o fedor estava ali, mais forte, mais persistente e tomava conta não só do ar, como antes, mas de si próprio. Esboçou uma careta, virou-se de lado e tentou achar uma posição cômoda que pudesse lhe retomar o sono, mas o cheiro não sumia; persistia como um inimigo invisível, obstinado e feroz que esperava o momento adequado pra desferir o golpe fatal. Inquieto, parecia-lhe que o fedor lhe invadia e tornava tudo dentro de si um grande vazio, um vazio que começava a se espalhar do peito e demorava-se especialmente na garganta, como algo entalado. Estava dentro de si, vinha de si. Esta constatação horrorizou-lhe, o que fez disparar seu coração subitamente, ao modo dum animal que pressente o perigo imediato e sua adrenalina dispara pelas veias. Virou-se novamente e balançou a cabeça, assustado. Lutava.
Algo mais mudara. Tudo estava estagnado dentro do apê, abafado e silencioso. A Tv agora era apenas feixes de luz sem vida, acuada por toda configuração do ambiente. O fedor já não era mais apenas um odor, sim, era o odor e o silêncio e o tempo que parou e as luzes sem vida e todo o apê... era uma presença. E ele sentia esta presença crescer ao seu redor a lhe espreitar, a bafejar em sua nuca um hálito frio e podre. Tentou se concentrar o máximo que pôde, desviar de seus pensamentos o fato de ali estar aquela presença provocando toda sorte de desconfortos físicos e mentais, tentou com toda sua força de vontade, mas com o coração em desalinho, a testa suando e uma extrema sensação de pânico fatalista, era impossível; pouco escapava e logo retornava ao incômodo. Pensava, “Não, não há nada aqui! Não tem ninguém ao meu redor, ninguém escondido atrás daquela cortina, nem mesmo embaixo da cama!” Mas sim, estava ali, ele sentia, era mais forte que qualquer sentimento de coragem que poderia haver dentro dele ou mesmo de lucidez, pois no meio de seu ataque ainda mantinha a consciência de que aquela sensação de que algo que só poderia ser categorizado como sobrenatural estava lhe observando, tentando invadir sua mente impiedosamente e sem dúvida com propósitos malignos. “Deus, que coisa ruim...só um pouco de sono, descanso...depois será diferente!” Mas fraquejava. Era impossível. Em dado momento a angústia e a consciência da presença eram tão fortes que se viu forçado a abrir os olhos e sentar-se no sofá. Pensou que ao fazer isto finalmente iria ver a figura sinistra de guarda no canto da sala, mas nada havia. Principiara um certo dilema; sentia falta de ar, mas quando respirava mais fortemente para suprir esta falta, o fedor vinha-lhe com toda intensidade e crueldade. “MEU DEUS, O QUE É ISSO?”
Parecia que o terror atingia seu ápice e encolhendo o corpo com as mãos juntas percebeu que estas se encontravam frias e úmidas. Pingos de suor escorriam de suas têmporas. A partir disso, sentiu uma descarga de pavor em seu peito, lançou um gemido fraco e espontâneo ao teto e estremeceu. Logo o lado esquerdo de seu corpo parecia estar inanimado, como se algo estivesse possuindo-o aos poucos. Sabia que uma medida imediata deveria ser tomada ou algo de assustador e inominável iria tomar parte, mesmo ele não fazendo a mínima idéia do que poderia ser. Pegou a jaqueta e correu a porta da frente, saindo aos barrancos pela escada até o portão de entrada do prédio.
Quando saiu, o dia pálido lhe tomou de assalto e sua reação imediata foi cobrir os olhos com a mão e andar a passos apressados pela Dr. Faivre em direção da XV. Não tomou consciência de nada ou ninguém que passasse ao seu largo neste momento; o objetivo principal era apenas levantar uma perna atrás da outra para onde elas quisessem ir, de consenso que longe o máximo possível de seu apartamento. Ao chegar na esquina, dobrou e continuou na XV, na direção da Praça Osório, ainda sem levantar os olhos, mas já percebendo a recuperação parcial de sua lucidez. “É preciso pensar. É preciso pensar.” Não conseguia, porém, pensar! Logo que dava movimento aos pensamentos, imagens terríveis lhe assaltavam os olhos, via Curitiba em chamas, via homens sem rosto com enormes garras, via um carro batendo na esquina perigosamente perto de si, sentia alguém bafejando na sua nuca, pronto pra lhe agarrar os ombros e lhe atacar...
A medida mais rápida que conseguiu tomar foi parar no primeiro telefone público e discar vários números. 9090, ligação a cobrar. Enquanto esperava, virava o rosto em todas as direções, deixando os olhos rolarem pelas órbitas. Do outro lado da linha fez-se ouvir uma voz familiar.
- A-alô, Coronel? Sou eu. Coronel, eu preciso de sua ajuda...e-eu...eu não...olha, eu não estou bem, e-eu não...
O Coronel pôde enxergar as lágrimas rolando pelo telefone do outro lado da cidade. Sentiu algo de sinistro perpassar sua espinha e seu rosto contorceu-se num esgar enquanto ouvia a voz completamente alterada. Não era a voz de um homem e sim de um animal agonizante, rouca, entrecortada, suplicante, desesperada...Algo estava acontecendo! Sabia que seu amigo era propício à situações desesperadoras, mas no entanto isto ultrapassava qualquer situação imaginável. Foi completamente pego de surpresa.
- Ei, ei, o que está acontecendo, você está bem? Ouça-me!
Mas era inútil. Deixou o Coronel pendurado no gancho do telefone e saiu apressado no rumo que estava antes. No momento em que ouviu a voz do amigo, uma pontada do fedor atravessara seu nariz como se fosse uma lâmina e fê-lo arder dolorosamente. Sua vontade era de gritar, de agarrar qualquer pessoa na rua e suplicar por algo que lhe fizesse sentir confortável, algo que lhe afastasse do cheiro insuportável. Cambaleou até a Marechal Floriano e esperou o sinal abrir aos pedestres. Ao seu lado um amontoado de gente prostrava-se como estátuas rígidas, eretas, esperando uma luz acender para que levantassem os membros e marchassem. Aproximou-se dum homem vestido num terno marrom e agarrou uma de suas mangas.
- O senhor consegue sentir?
- Desculpe?
- O fedor! O cheiro...o senhor está sentindo?
O Senhor olhou o homem de cima a baixo. Vários julgamentos se processaram rapidamente em seu cérebro enquanto seus olhos o percorriam. Era um homem que deveria ter um metro e oitenta, mas curvava-se sobre o próprio corpo, como se carregasse uma pedra nas costas; o rosto estava pálido e endurecido, com os lábios tensos e puxados...o que mais lhe impressionou foram os olhos injetados, que atravessavam os seus de uma forma como nunca havia presenciado antes. Era um maluco maltrapilho. Mais um deles! Ainda bem que sua pasta estava na outra mão, longe do alcance dele.
- Não compreendo o que você está falando – sua postura permaneceu ereta, talvez até um pouco mais forçada e os punhos se cerraram.
Agarrou o senhor com mais força nas mangas, o que provocou neste uma reação brusca de desenvecilhamento, deixando-o mais assustado e perturbado. Sentiu uma bola subir por sua garganta e uma pressão nos olhos, nas têmporas, um formigamento...
- O SENHOR SENTE ESTE CHEIRO? POR FAVOR, DIGA-ME!!
O sinaleiro abriu e o senhor saiu rapidamente, notavelmente bravo, dizendo:
- Afaste-se de mim!
E sumiu na fileira de pessoas que atravessavam a rua, afundado por entre cores diversas formadas pelo conjunto de roupas que seguiam seus caminhos. Sabia, neste momento, que além de tudo que sentia, havia algo mais que o incomodava. Parecia chorar sem verter lágrimas, e seu corpo tinha espasmos como se o fizesse. Tomou algum rumo e seguiu, sem saber muito pra onde ou pra que.
O que restou em sua mente eram fragmentos de imagens que seus olhos captavam. A cada minuto as coisas se embaralhavam mais e mais e pensamentos surgiam e desapareciam sem tema certo, apenas vinham como raios alucinados mulheres segurando copos de uísque e sorrindo o homem de olhos baixos segurando um taco de sinuca encarando-o a estação Guadalupe onde dos bares á beira da rua os olhos de alguns bêbados o fitaram impiedosamente à sua passagem e levantaram-se solenemente para seguir os seus passos algum lugar perto do Largo da Ordem onde alguns mendigos e maltrapilhos vagabundos perceberam sua passagem e cristo! sabiam o que estava acontecendo e queriam lhe perseguir os passos e lhe tocar e dizer coisas ao seu ouvido mas que ele logo percebeu assustado e tentou se livrar de toda esta turba que vinha ao seu encontro, rodeando e lhe passando as mãos pelo rosto suplicando uma prece com hálito podres os bêbados segurando como rosários garrafas de cerveja um homem pelado com o pênis na mão e aí sim ele se perdeu de vez e lutou, dando socos no ar, acertando alguns transeuntes livrou-se de todos e num pânico que não poderia ser descrito por qualquer caneta ou boca humana mas apenas pelos olhos fugiu em disparada pelas ruas onde numa rua já na noite curitibana a Cruz Machado as putas desciam as bundas procurando-lhe as pegadas A Praça Tiradentes os garotos cheiravam a lata tentando lhe encontrar o rastro e se encolheu em algum lugar longe onde sentiu o odor mais forte do que jamais poderia ter sentido, pois mais longe não poderia ir e suas esperanças por fim desvaneceram e ele começou a socar as paredes e soltar lágrimas, sem saber como se mexer pra sair do lugar onde estava e tentar achar alguma solução pro seu problema como tapar o nariz com as mãos ou afundar canetas nele o que se mostrou tão inútil quanto pensar que haveria alguma forma de sair do labirinto da vida.
Quando o Coronel foi chamado pela polícia, visto que dera queixa na noite anterior pelo desaparecimento de seu amigo, sentiu-se ansioso. Correra o máximo que pôde até a delegacia. Alguns policiais lhe disseram poucas palavras, que não puderam desvendar muita coisa.
- Encontramos o sujeito deitado num banco de praça. Estava usando roupas rasgadas. Seu membro estava aparecendo. Coisa horrível.
- O sujeito é maluco. Ficamos assustados. Não é coisa comum neste ramo, se é que o Senhor Coronel me entenda.
- Onde está ele?
- Guardamos-o numa cela. Ele não mostrou qualquer resistência. Parecia mais assustado que qualquer outra coisa.
- Deixe-me vê-lo.
Aproximou-se do amigo e notara que ele estava deitado sobre a cama e visivelmente febril. Quando notou que havia chegado, pareceu ficar agitado, mas o Coronel tristemente viu em seus olhos estalados e vibrantes que ele não reconhecia sua pessoa. Não havia qualquer sinal de reconhecimento em qualquer parte de seu corpo, em verdade. Nem mesmo quando ele agarrou o Coronel pela lapela e lhe fitou profundamente dentro de sua alma e gemendo e pronunciando com dificuldade as palavras, embora com clareza, lhe disse:
- O FEDOR...O FEDOR...

quarta-feira, abril 25, 2007

quinta-feira, abril 12, 2007

curitiba, sua filha da puta (2.º versão trabalhada)

curitiba, minha cara
os poetas estão nascendo
no teu seio raro
estão bebendo
teu leite amargo
nas esquinas de todos os bares

olhe pra dentro de nós
porque estamos olhando
através de você
(as palavras que amamos
enquanto morremos)

os verdadeiros poetas
sabem como te acariciar
(com um pinto debaixo das pernas
e não com óculos em cima da mesa)

cidade maldita, você não é poesia
apenas escreve certo
por calçadas certas
a vida torta dos heróis à revelia
vive ao avesso
a contradição perfeita de suas avenidas

agora mesmo, na praça tiradentes
os anjos caídos dormem a insônia das latas
o gole vai tirando a fé dos crentes
e joga seus filhos pra longe de suas saias

o futuro poético
vai tropeçando aos teus botecos,
mija errado na sarjeta,
nos caminhos incertos
sua madrugada de silêncio
gritada aos ventos

os poetas querem recitar:
mas você enrolou a língua deles

curitiba, sua filha da
puta fica comigo...
e me transforma em poeta também.

quinta-feira, março 29, 2007

Dos infernos e da broxada (e de como o autor possivelmente possa passear pelo céu com Beatriz (1.ª versão)

eu fazendo minhas coisas, minhas coisas malucas, eu no meio da roleta russa de amores despencando abismos cada mais e mais abismos pra dentro de mim
me faz duvidar, dúvida, dívida, Davi.
Davi engoliu Golias no meio do deserto pagão, eu engulo Adão e todos pecados-desejos que possam florescer através da poro-pele da alma
floresce no âmbito de minha carne então mas quebra-se no amontoado de vigílias e angústias de meu psico-pênis.
é este meu complexo de Elektra (como assim?) que desafina meu desejo sexual ou não, não! tive muitos pais e procuro muitos mais pra...é isso, é aquilo! Redescobrir o meu ser, me fortalecer de mim porque não tive ELE lá pra me dar a personalidade e tudo agora é insegurança e frustração porque ELE, novamente ELE não me deu à luz por completo, para ser eu eu precisava de totalmente eu, e só (clamores, retumbares, redundâncias, paus e bucetas explodindo isopores de carnaval, gritos perversos de mulheres nuas)só...ELE (palmas e júbilos com lágrimas, pingos de porra saindo de sexos e complexos)!!! poderia me dar eu!
e então (silêncio)
é isto, meu revirado complexo?

ser ou não ser...eis a solução!
a eterna dúvida.
a eterna dívida.
Davi esgotando sua droga celestial
pra dominar Golias.
eu fazendo minhas coisas, minhas coisas malucas,
querendo essa mulher, um gatilho na roleta
quando ela me engancha com as pernas têsas
toda eletricidade que houver neste mundo
seios juízes julgando minha boca, meu muco
meus sonhos meus planos meus seres de luz e sombra
- como a corte suprema antes dos portões do inferno.

você me mostra todas as vezes
com suas pernas e sua boca
os portões do inferno.
você é meu inferno.
um dos 9 que Dante quis inventar pra mim.
(já volto ao inferno)

eu faminto do corpo, um giro no pente
despencam abismos
eu querendo um pai
que dobrem os sinos!
Virgílio que não sai
e que nunca sairá.

(ao inferno mais uma vez)

você é e todas que virão serão meu inferno.
você grava (com as pernas têsas grita o coro!) um nome dentro de mim.
meu corpo recita pr´alma.
a alma devora. (croc.croc.)

eeeeeeeeeeeeeuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu fazendo minhas coisas, minhas coisas malucas, eu no meio da roleta russa de amores, os amores disparados, os amores mortos
eu caído com o tiro dado, sangue e esperma, psico-pênis amolecido.
não me julguem rigorosamente seios juízes!
(meu pai com a pistola dentro da boca, a pupila dilatada, o tiro e a cabeça explodida)
minha via crucis.
beatriz, beatriz
você como um poema envolto em vapores pra eu transpor e decifrar
só mais uma dose...e Dante que me perdoe,
mas eu vou levar sua mulher pra caminhar.

P.S - ainda faltam trechos pra serem colocados entre os versos e mesmo trechos que estão sendo retrabalhados. De qualquer forma, depois de tanto tempo com este texto na gaveta, achei que, uma vez que ele ganhou esta forma meio que definitiva, seria viável a publicação dele pra julgamento. Divirtam-se pervertidos!

terça-feira, março 20, 2007

Bactrim F man (poema toscaço de ruim...rs)

e lá pelas tantas eu que não nasci num celeiro
bato na porta traseira e digo "toc toc"
passo a língua e entro rasteiro
me descubro portentando uma bela doença
digna de um navio negreiro

lá pelas horas matinais
desço o sarrafo pela torneira
com pus e alguns sinais
de uma bela duma coceira

graças a deus, bactrim neles
gonorréia nunca mais em minha vida
eu que não nasci num celeiro
dentro dum quem sabe peguei a SIDA
(pra europeu nenhum botar defeito)

louvado seja bactrim F
pena que não posso inventar
um dele com meu nome
pro mundo todo mandar
tudo pra casa do caralho
(com direito a CEP e tudo)

- e que a casa do caralho
não seja daquele rabo
que visitei num dia de inverno
pra me proteger do orvalho.

domingo, janeiro 21, 2007

Samba do Fuxiqueiro

(Fman - M.L. Fumaneri)

Você me condena por falar da vida alheia
diz que é pecado que é coisa muito feia
mas não vê que na vida o perigo,
o tédio, é olhar o próprio umbigo

nada é mais humano
que a picuinha minha com a picuinha tua
olhando a vizinha errando pela rua

e quando nos erros meus
a vizinhança me crucificar
vai ser bonito de ver
a cara da vizinha
quando me deixares voltar

você me condena por falar da vida alheia
diz que é pecado que é coisa muito feia
mas que graça tem a realidade
se ninguém comenta nossa intimidade

não é por vaidade
não somos melhores que ninguém
é que minha felicidade
é abrilhantar o fracasso de alguém

cada macaco no seu galho é muito solitário
mas no dia de carnaval eu deixo de lado
não vou rir da desgraça de outrem
que é pra eu e a vizinha ficarmos de bem

terça-feira, janeiro 16, 2007

Conto:

Despejo
para Maria


Despejo as cartas na mesa e espero afoita, de certa forma desatenta a tudo o mais em volta, como uma bela confusão; são ás de paus, dama de copas, reis e valetes, todos poderosos e imponentes em seus trajes majestosos, ditando meu futuro incerto que não me interesso verdadeiramente em transcrever. Despejo as pílulas do tubo ali em cima, e aí fica um mosaico estranho e colorido, as cores são bonitas a mim – sou design gráfica, ou era, como algum pedaço de papel quis imprimir em minha personalidade a algum tempo atrás, fruto de algum esforço despendido com certa alegria durante alguns anos sentada com a caneta pendurada nos lábios e os olhos atentos àquela nuca vincada que logo a frente parecia rude e ao mesmo tempo lírica aos meus sentidos estéticos mais apurados. Escrevo então nomes com as pílulas, juntando a extremidade de uma com a extremidade de outra, uma tarefa divertida que faz o tempo correr enquanto dentro de mim não corre mais nada, talvez apenas um sangue quente e endurecido.
Escrevo com pílulas os primeiros anos alegres sob a tutela de sonhos ideológicos e românticos, em que a aproximação de um beijo me faria sentir um pavor histérico de moça recatada, como se os lábios alheios violassem uma lei impenetrável, cujo castigo seria imponentemente a pena de morte. Não, estes lábios curvados em reverência são mais do que duas mucosas apertadas, são dois grilhões do universo, são uma sentença não julgada, um apertar e afrouxar do coração que bombeia freneticamente. Meus lábios fazem reverência quando abertos, mas os juízes são severos: meus lábios procuram o pecado, mas vivem em santidade plena, inviolável.
A penteadeira ao meu lado com seu espelho mágico some. Despejo então meus pentes sobre as cartas, sobre pílulas e lembro ternamente que um dia na praia eu havia pensado que nenhum pente no mundo arrumaria meus cabelos bagunçados por aquele vento infernal enquanto no processo de desmoronamento do mundo eu esquecia espantosamente aquela nuca vincada – mas não os olhos tristes, contudo os olhos tristes deixariam de me percorrer o corpo como um mistério em que eu fosse a maior e mais destemida dos detetives de almas; não, antes aqueles olhos apenas me transmitiam uma melancolia que não me pertencia mais – e olhava o sol e o mar rebentarem nos meus olhos e ouvidos com toda a força que poderia imaginar existir dentro de mim.
É um sorriso que está dentro agora, o armário desaparece sem deixar vestígios a não ser pegadas sujas de lama no assoalho. As roupas já não me servem, deixaram de me servir há muito tempo atrás, quando um pedaço de pano sobre o corpo era uma prisão atordoante, quando tudo o mais que eu queria sentir era a coroação suprema de um amor que eu enxergava como a mais implacável de todas as prisões. As roupas, então, eram a prisão dentro da prisão e Ricardo me deixava dentro de ambas, este Ricardo severo, maluco, que fitava o vazio enquanto eu via em seu olhar que não tinha nada de triste mas sim de pavoroso, o pavor que todos meus sentidos queriam acolher. Ricardo venho a mim como o despejo de um outro amor que deixei balançar ao vento na praia. Mas Ricardo ao mesmo tempo me privava de meu maior sentido, o sentido de estabelecer um limite para o amor que eu via crescer dentro de mim sendo uma bomba com tempo limitado: tudo iria explodir à minha volta, mas eu não queria a explosão fora de mim, ah, não, esta explosão só poderia vir de dentro e justamente aí ele me aprisionava, recusava-se inexplicavelmente a tornar em pecado mais do que meus lábios, mas todo meu ser, embora o pecado em que eu estivesse a procurar fosse na verdade aquela coroação suprema da maior santidade que havia em meus sonhos, seria o pecado que me levaria à libertação integral de tudo que me possuía. É de se compreender, quando olho por um momento em volta, antes que o armário se vá definitivamente, que eu mude de idéia – ainda sem prestar atenção a tudo em volta – e pegue todas as roupas da gaveta e as despeje sobre meus mosaicos tão valiosos agora aos olhos como ao sentidos.
Ricardo não veria nos meus sentidos nada mais que alguma arma que eu lhe atirasse furiosamente; eu via em seus rompantes oriundos da mesma origem que a minha, apenas flechas que não eram propriamente armas, mas sim alimento para minha paixão. Existia assim uma necessidade de eu me ver completa, de sentir que meu sentir lhe era repelido com tanto enigma e contradição que me deixava ás beiras da loucura, mas a esta loucura, me vinha de encontro as respostas que sempre buscava, um ciclo hediondo em que cada vez mais eu descobria fundo de mim a mulher furiosa e descontrolada se perdendo em algo que pouco a pouco ia se privando de todas as justificativas possíveis de se acatar. O algo que eu já não sabia mais o que era, apenas mergulhava dentro de, buscando vez ou outra a superfície para ter um pouco que seja de ar dentro dos pulmões. Inevitavelmente, um dia, eu iria mergulhar tão fundo encantada com a luz do sol refletida nos corais lá embaixo, que iria afundar de vez na escuridão do mar, sem conseguir ter forças para chegar lá em cima para respirar novamente. Ricardo sabia disso. Sabia mais do que ninguém. E um dia ele chega a meus ouvidos e a meus olhos inchados e diz: “eu tentei...eu tentei te amar.”
É a vez do criado-mudo. Tudo que tentei amar poderia estar dentro dum criado-mudo, um belo dum criado mudo alto e assustador, vestido com roupas de um mordomo, que visse terríveis segredos se desenrolarem dentro da casa de seu patrão, mas nada poderia dizer porque sua impossibilidade estava destinada a ser seu fardo. Muitos me amaram. A estes, eu tentei amar. Tentei amar novamente sempre como o despejo de um novo amor. Sendo assim, pego as cartas embrulhadas e as despejo sobre a mesa, e agora o quadro que me aparece não é algo bonito tampouco provido de ordem, e sim um amontoado de coisas e mais coisas que me deixam de enxergar qualquer objeto real no meio daquilo tudo. Existem cartas de amor, cartas de amigo e enquanto passeio as mãos – e olhos rapidamente – sinto um fugaz arrepio no meu estômago e descubro mais uma vez que existe por trás de todas estas trilhas percorridas o algo maior que me preenche e se torna o objetivo maior de minha vida. Por ela, eu despejaria o tudo o mais. Mais uma vez, enxergo então por baixo daquela confusão de objetos, as pílulas. Vejo Ricardo dentro delas. Vejo a destruição de sua ausência. Vejo, entretanto, a morte que ele fez justamente neste objetivo maior que me faz inteira por dentro. Eu sequei, fiz-me podre e infértil, um saco vazio sem qualquer sustentação. Não me senti mulher por todo este tempo, sequer fui mulher durante todos estes anos. Não queria nada mais que os segredos do pecado estampados num lençol, coroando, como já disse, os limites da paixão que me faz flutuar na santidade.
Está quase tudo vazio. A penúltima delas, é tomada de assalto e se vai com certa dificuldade. Eu sei. A cama pesa duas toneladas. Não seria fácil a ela sumir assim tão rapidamente. Nela foi finalmente feita a vontade do profano, e mil anjos tocaram trombetas em cima. Uma chuva fina caiu sobre nossas cabeças e pudemos nos sentir purificados de todos nossos desencontros. Despejo o lençol sobre a mesa e cubro todos os objetos que estavam nela. Amarro tudo e coloco sobre meus ombros. Em pé, posso então sorrir com o peso da cama sumindo.
Ele me veio despejado por suas próprias angústias, por um mundo que não lhe supriu de forma alguma o seu grande saco vazio – a semelhança do meu – e lhe deixou tão destruído e corrompido quanto um santo poderia ficar. Ele, por sua vez, os seus lábios, procuravam a santidade, mas viviam no eterno pecado. A ele, a busca era a santidade no inferno. Quando ele veio a mim, foi despejado então como Lúcifer o fora do paraíso. Mas ele veio tão casado com minhas próprias religiosidades do corpo, que o fruto de toda esta destruição que nos atingia só poderia gerar um casamento perfeito entre os justos e os ímpios, e desta forma se rompeu sobre minha cama a explosão de um encontro que salvou tanto minha alma do pecado, quanto a dele, da santidade. Nada mais que um duelo de titãs. Nada mais poderia pesar tanto sobre uma cama como esta união perfeita de tanta destruição gerada pela criação. Suspiro aliviada: a cama já se foi.
É chegada a hora, penso. Existe tranqüilidade. Ela está presente em mim há algum tempo. Não é tranqüilidade dos monges, mas antes uma serenidade que me permite estar de acordo com aquilo que me move e me faz ser tanto eu quanto poderia. Não acho nada estranho esta serenidade advir de uma micro mutilação dentro do meu corpo. Esta serenidade me deixa inquieta todos os dias, e assim posso me sentir viva, pois sinto que aquilo que esteve sempre comigo como uma ordem do que deveria fazer de minha vida algo valioso, isto está vivo e arde com força. Eu amo. O Amor, desta vez, não foi um despejo meu, mas venho até mim assim. Um ciclo que agora se mostra com todo sentido. Ele criou o sentido. A mesa, finalmente, levanta-se e vai indo embora rapidamente. Antes que ela suma, pego de cima dela a ordem de despejo, coloco o lençol com os pertences dentro de uma mala, fecho-a e me encaminho para a porta da frente.
Lá fora, está esperando aqueles olhos tristes com sua nuca vincada. Lhe dou as mãos e caminhamos na direção do final da rua, onde o sol se põe belamente. Lhe olho de solaio e vejo seus olhos, mas seus olhos não são mais tristes: o mistério que antes eu insistia em procurar, já estava desvendado.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Conceição (1.ª versão)

à maria

um poema na lagoa como uma moeda
no poço por onde escoa o limo
no fosso, a lágrima do menino.
um poema na lagoa roga a todos
os santos bem a jeito de garoto e sua pedra no fundo
do poço a lagoa, entretanto, em seu encanto
não é recanto de todos os santos;
a eles canta a baía, acima, um estrondoso
dum canto.

a água no sul, é de Conceição
uma só dona, uma só canção.
Lagoa da Conceição,
o poema em chama desaba
cai sob sol, sob música, sobre lava,
mas não esconde no poço
o desejo de uma lágrima atirada.