sexta-feira, setembro 12, 2014

Wallace, você provocou uma das maiores dores de minha vida

Seis anos da morte de um dos maiores escritores do século XXI (e ele apenas começou)

A definição e função da arte é uma coisa bastante problemática. Não vou nem entrar nos méritos e perrengues ontológicos da coisa; a mim, que é o que me basta aqui, trata-se de fundamentalmente carregar um poder de expressão interior intenso com almejos estéticos fundados em premissas já estabelecidas (o que já é complicado, porque tradições são postas por água abaixo, principalmente em tempos pós-modernos). Esse poder não é mero “jorro sentimental no papel”, assim for temos um bando de desabafos insossos. É, au contraire, expressar-se com esmero tal que o individual torna-se coletivo – universal. Em outras palavras, temos conceitos que o titio Aristóteles já balbuciou lá trás: mímesis e catarse. Não é de se estranhar, então, que minha homenagem aqui enverede por este caminho, qual é: David Foster Wallace abordou em grande parte de sua obra o tema da depressão, dos demônios interiores, da impossibilidade inata de comunicação integral, dos intricados e misteriosos processos que vão da minha condição emocional perante sua condição emocional, enfim, dá pra sacar logo qual é a pegada. O lance é que esses temas provêm de uma obsessão individual (creio que o termo certo seria “pessoal”) do próprio autor, eternamente às voltas com pepinos emocionais bastante sinistros que, provavelmente, geravam angústias e indagações tortuosas sobre os temas adjacentes. Ou seja, sua obra surge de questionamentos internos muito pessoais e caros a si; Wallace joga a expressão de si com tanta ânsia (ok, é mera especulação – não estou escrevendo aqui um artigo acadêmico, não me encham o saco) quanto um iniciante poeta querendo destilar sua dor de cotovelo porque a menina lá não lhe dá a mínima bola. Entretanto, seu esmero linguístico, seus conhecimentos formais a respeito de literatura, seu estilo (desenvolvido ao longo do tempo, naturalmente) e seu senso estético moldaram um texto completamente universal, tocante e arrepiante. Porra, basta ver que ele tem o apelo de um autor de autoajuda enquanto era um intelectual brilhante e puta escritor. Ele não tem apenas leitores, têm fãs. E, meu, quem dizer que isso em literatura séria não é um feito, que volte à análise de “Quem mexeu no meu queijo”. Pessoas do mundo inteiro agradecem-no pela “força” que receberam (sem pedir) lendo obras como “Infinite Jest” ou contos como “Good Old Neon”. E quando, seis anos atrás, o mundo recebeu a notícia de que este homem sucumbiu ao seu maior inimigo e se suicidou, o panorama sentimental dos fãs era desolador. Coisa rara, amigos, em literatura, mas não na música, por exemplo: sentir a morte de alguém como se fosse um irmão ou amigo querido distante. Para mim, a dor foi algo um tanto excruciante (ok, sou hiperbólico e não foi como perder um ente próximo mesmo), porque jogou na minha cara uma desesperança imensa. Explico: como, deus, como um homem que escreve hinos antissuicídios tão poderosos, um cara que traz tanta ênfase na falibilidade humana como condição natural e contornável, um bastião contra o mal do século vai lá e se mata?? Porra, ele deu esperança a muita gente em condições depressivas e coisa e tal e de repente sucumbe à porra toda?? A arte perdeu pra realidade. É duro. Mas aí tem uma coisa que eu esqueço e logo volto a lembrar: não sabemos definir arte de vez, mas tem coisa que sabemos e acho que ninguém duvida – ela é eterna. Seu autor morreu, mas sua expressão estará lá. E essa é o grande lance: Wallace estará ajudando muita gente contra o suicídio daqui pra muito tempo. Sua obra é eterna e todo seu talento estará. Descanse em paz, meu querido. Porque, a julgar pela sua obra que ainda existe e sempre existirá, você está apenas com os olhos fechados... mas vivo.
Um hino contra o suicídio (não sei o nome do cara, mas sou eternamente grato a ele, pois ele traduziu o que nunca foi traduzido por aqui): Good Old Neon, do livro de contos “Oblivion”.
É longo, mas vale cada palavra. Com direito a lágrimas.

Regozijem-se. 

http://projeto-oblivion.blogspot.com.br/2012/09/bom-e-velho-neon.html#comment-form

quarta-feira, janeiro 15, 2014

IV (Work in progress)

Pesadelo narcisista:
não conseguir ficar só
com seus pensamentos.

memento mori
como única verdade
num promissor oceano
de sentimentos.

e se, grosso modo,
não se abster, alcoólico,
de um fundamento nobre,
e querer viver?

morrerá, é claro, este voto
egocentro informe
dentro dum esgoto in love
com apetrechos de morte?

(Qual a esperança dos homens fadados
inexoravelmente,  meu deus, a um fado tipo português mais do que ao ethos grego?)

terei eu força suficiente
para caminhar
por uma destas belas ruas
em chuva cinzenta
sem estar lá?
conseguirei ver, de olhos fechados,
beleza nas paisagens sem cor?
pois admite-se a inércia de um olmo
sem sentir-lhe o movimento com o rosto
agarra-se afoito
insubstancial engodo
como salvo-
conduto
à fragilidade da vida
(e não se tem nas mãos
mais do que rasas permutas
entre o “eu” e o “você”.)

Sentir é tão-somente a única verdade.
O único mistério, posto que
é tênue e concreto
lado
a
lado
com seu mistério.

E se, nesta insustentável equação,
uno-me aos (h)unos,
explorar vãos
em busca de possíveis enigmas
e nada encontrar
como possível solução?

Que roguem filosofias e abismos
jogarei uma pedrinha
no lago imaginário
da razão
dará conta
do outro lado
     a imaginação

(e talvez seja esta
          a única proporção
entre a vida e a morte
mais ou menos
entre_tantos “únicos” senãos.

(...)