Seis anos da
morte de um dos maiores escritores do século XXI (e ele apenas começou)
A definição e função da arte é uma coisa bastante
problemática. Não vou nem entrar nos méritos e perrengues ontológicos da coisa;
a mim, que é o que me basta aqui, trata-se de fundamentalmente carregar um
poder de expressão interior intenso com almejos estéticos fundados em premissas
já estabelecidas (o que já é complicado, porque tradições são postas por água
abaixo, principalmente em tempos pós-modernos). Esse poder não é mero “jorro
sentimental no papel”, assim for temos um bando de desabafos insossos. É, au contraire, expressar-se com esmero tal que o individual torna-se
coletivo – universal. Em outras
palavras, temos conceitos que o titio Aristóteles já balbuciou lá trás: mímesis e catarse. Não é de se estranhar, então, que minha homenagem aqui
enverede por este caminho, qual é: David Foster Wallace abordou em grande parte
de sua obra o tema da depressão, dos demônios interiores, da impossibilidade inata
de comunicação integral, dos intricados e misteriosos processos que vão da
minha condição emocional perante sua condição emocional, enfim, dá pra sacar
logo qual é a pegada. O lance é que esses temas provêm de uma obsessão
individual (creio que o termo certo seria “pessoal”) do próprio autor,
eternamente às voltas com pepinos emocionais bastante sinistros que,
provavelmente, geravam angústias e indagações tortuosas sobre os temas
adjacentes. Ou seja, sua obra surge de questionamentos internos muito pessoais
e caros a si; Wallace joga a expressão
de si com tanta ânsia (ok, é mera especulação – não estou escrevendo aqui
um artigo acadêmico, não me encham o saco) quanto um iniciante poeta querendo
destilar sua dor de cotovelo porque a menina lá não lhe dá a mínima bola. Entretanto,
seu esmero linguístico, seus conhecimentos formais a respeito de literatura,
seu estilo (desenvolvido ao longo do tempo, naturalmente) e seu senso estético
moldaram um texto completamente universal, tocante e arrepiante. Porra, basta
ver que ele tem o apelo de um autor de autoajuda enquanto era um intelectual
brilhante e puta escritor. Ele não tem apenas leitores, têm fãs. E, meu, quem
dizer que isso em literatura séria não é um feito, que volte à análise de “Quem
mexeu no meu queijo”. Pessoas do mundo inteiro agradecem-no pela “força” que
receberam (sem pedir) lendo obras como “Infinite Jest” ou contos como “Good Old
Neon”. E quando, seis anos atrás, o mundo recebeu a notícia de que este homem
sucumbiu ao seu maior inimigo e se suicidou, o panorama sentimental dos fãs era
desolador. Coisa rara, amigos, em literatura, mas não na música, por exemplo:
sentir a morte de alguém como se fosse um irmão ou amigo querido distante. Para
mim, a dor foi algo um tanto excruciante (ok, sou hiperbólico e não foi como
perder um ente próximo mesmo), porque jogou na minha cara uma desesperança
imensa. Explico: como, deus, como um homem que escreve hinos antissuicídios tão
poderosos, um cara que traz tanta ênfase na falibilidade humana como condição
natural e contornável, um bastião contra o mal do século vai lá e se mata??
Porra, ele deu esperança a muita gente em condições depressivas e coisa e tal e
de repente sucumbe à porra toda?? A arte perdeu pra realidade. É duro. Mas aí
tem uma coisa que eu esqueço e logo volto a lembrar: não sabemos definir arte
de vez, mas tem coisa que sabemos e acho que ninguém duvida – ela é eterna. Seu
autor morreu, mas sua expressão estará lá. E essa é o grande lance: Wallace
estará ajudando muita gente contra o suicídio daqui pra muito tempo. Sua obra é
eterna e todo seu talento estará. Descanse em paz, meu querido. Porque, a
julgar pela sua obra que ainda existe e sempre existirá, você está apenas com
os olhos fechados... mas vivo.
Um hino contra o suicídio (não sei o nome do cara,
mas sou eternamente grato a ele, pois ele traduziu o que nunca foi traduzido
por aqui): Good Old Neon, do livro de contos “Oblivion”.
É longo, mas vale cada palavra. Com direito a
lágrimas.
Regozijem-se.
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